segunda-feira, 30 de maio de 2011

Onde está a defesa pessoal no Aikido?

Texto enviado por Werley Machado (Aizen Dojo, Brasília)



Outro dia eu estava assistindo uma aula “teen” de Aikido no Aizen, fiquei muito contente em ver o empenho da garotada. A turma aplicava as técnicas com atenção, caia, levantava, interagia com os alunos mais experientes, buscando aprender essa difícil arte. Naquele momento, busquei na memória como me sentia quando iniciei a prática do Aikido, confesso que eu não era um adolescente...rsrs, mas tinha interesse em aprender com a mesma energia. Inclusive, também tinha uma curiosidade, como a maioria dos praticantes, sobre a aplicação do Aikido como defesa pessoal. Eu ficava me perguntando... “onde está a defesa pessoal no Aikido? Como se dá na prática?”.

Bem, mesmo praticando Aikido há alguns anos e buscando informações dessa arte em livros, trocando idéia com os amigos, sites, artigos, eu sentia certa dificuldade em responder essa pergunta. Conversando com meu Sensei Santos (5º dan) em uma das nossas caminhadas matinais no Parque da Cidade, perguntei a ele se em algum momento o seu Aikido teve que ser acionado como defesa pessoal. Ele parou, pensou um pouco e me disse que uma vez, num pequeno acidente de trânsito envolvendo um taxista de cabeça quente, naquele momento ele teve que aplicar uma técnica para evitar uma agressão e controlar a situação.



Depois de ouvir a história fiquei fazendo contas, para visualizar uma estatística: número de ocorrências de defesa pessoal versus anos de prática de Aikido do meu mestre. Puxa, mas nesse mundo cada vez mais violento, o Aikido não seria uma arte de defesa pessoal que deveria ser utilizada com mais frequência? Cheguei a uma conclusão aparentemente incoerente, um evento em 38 anos! Algumas pessoas podem até pensar que as técnicas de Aikido deveriam ser utilizadas mais vezes, particularmente os mais jovens, vendo aqueles vídeos incríveis no “youtube”, com imagens fantásticas de pessoas “simples” se livrando de brutamontes armados e mal encarados.

Mas afinal, será que o Aikido foi criado para o fim de defesa pessoal? Vendo a estatística do meu mestre, isso não é paradoxal? Será que vale a pena treinar tantos anos para aplicar uma técnica de defesa somente uma vez na vida?

O que vou dizer a seguir, acho que pode ajudar aos mais jovens e iniciantes no tema. O Aikido foi criado para dotar o praticante de postura que permite aplicar técnicas apropriadas em qualquer situação que você precise se defender! Vou explicar, o Aikido traz um conceito básico encontrado nas artes marciais: a autodefesa. É uma defesa pessoal em que você aprende a se portar para preservar sua integridade física e mental. Como assim? O Aikido é mais do que aplicação de torções, projeções ou imobilizações, ele capacita o praticante a buscar se defender dos ataques mais freqüentes na vida e que, se não forem tratados adequadamente, muitas vezes deixam as pessoas em maus lençóis.

É assim, quando temos uma tendência natural da nossa personalidade, por exemplo, de reagir a uma provocação com ímpeto de agredir o provocador, deixamos que o impulso domine nossas atitudes, como resultado pode-se gerar uma situação que fuja do controle: uma briga. Nesse caso, o Aikido pode nos ajudar a nos defender, não no momento do contato físico, mas antes, na atitude de controlar os impulsos negativos, por meio do treinamento das técnicas na posição daquele que recebe (nague). Por exemplo, numa situação em que o colega de treino na posição de aplicar a técnica (tori) exagera na dose, certamente geraria em nós um sentimento ruim, no mínimo uma dor física... rs, no entanto para contornar o momento, o clima nos treinos induz os praticantes a buscar uma forma racional para agir, levando os praticantes a no mínimo conversar para que o tori diminua a carga, e assim de forma quase imperceptível nós vamos transformando maus hábitos para uma postura mais equilibrada, que acaba por refletir também no ambiente fora do Dojo.

Segundo alguns psicólogos não devemos reprimir as emoções, “engolir o choro” como dizia a minha mãe, mas sim “conversar” com elas, para que se chegue a uma postura adequada: fazendo o nosso lado racional agir, questionando a atitude impulsiva e analisando a situação sob o aspecto das conseqüências, segue alguns exemplos de perguntas possíveis: será que a reação com violência nesse momento, vai resolver a situação? Será que eu tenho parcela de responsabilidade na reação do provocador? Quais são as conseqüências se eu for para as vias de fato?

Lembro de o meu mestre comentar sobre outras várias situações em que ele parou e pensou duas vezes antes de agir, e desse modo ele pode chegar a uma solução mais racional e adequada. Eu me recordo também do sensei Santos nos aconselhar para estejamos atentos a todo momento, sobre as situações que podem colocar em risco nossa saúde física e mental, afinal “o mal não dorme!”.

Outro mestre do Planalto Central comentou sobre essa forma de autodefesa, foi o sensei Martins[1] : “No Aikidô, não tem poder. Tem equilíbrio, encontro do homem consigo mesmo”, ensina o mestre. E justifica o que diz: “Um dia, um aluno chegou pra mim e disse: ‘Mestre, antes de fazer Aikidô, eu saía na noite e se alguém olhasse pra mim com cara feia, eu já partia para a agressão. Eu era o forte. Agora, não tem nada disso. Aprendi até a dominar meus impulsos’. Aikidô é isso: é vibração, não é apenas uma defesa corporal. É uma defesa de vida. E digo mais: é a arte do equilíbrio do terceiro milênio”.

Nas nossas vidas temos que enfrentar desafios a todo momento, em que a atitude de defender a nós mesmos, nossos valores, nossas idéias, com inteligência e equilíbrio seja necessária para que possamos continuar centrados no que é melhor, essa é a defesa pessoal mais efetiva. A construção de uma atitude de autodefesa é um trabalho de mudança de consciência dentro de nós mesmos, que demanda tempo e prática do Aikido.

Para finalizar, gostaria trazer um comentário do filósofo grego Plutarco sobre a necessidade de se construir uma atitude de autodefesa para a vida. Conta a história que quando Plutarco perguntou aos espartanos, por que a cidade de Esparta não tinha muros para protegê-los, eles responderam: “Nós somos os muros de Esparta”.

Obrigado pela atenção e paciência.
Forte abraço!


[1] Trecho de uma entrevista dada ao Correio Braziliense por ocasião do reconhecimento do grau de 6º Dan.

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6 comentários:

  1. Gde Werley!!! Ótimo texto... ótimas reflexões!

    Citando mais uma vez o Prof Lapa: "o Aikido é arte nobre demais pra se restringir à uma técnica bem executada."
    Ele vivia falando isso pros seus alunos. Acho q ele tem razão!
    Obrigado por retomar isso em nós!

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  2. Parabéns Mano, excelente texto, não só para informações sobre Akido, como para boas reflexões para o nosso dia a dia.

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  3. Muito legal, Werley!
    Adorei o artigo!
    Recordo-me do meu mestre (durante 7 anos pratiquei Kung-Fu), que sempre dizia:

    "Aquele que vence o outro pode ser considerado forte, mas aquele que vence a si mesmo, este sim é poderoso."

    Ou ainda:

    "Forte é o homem que vence sem lutar, mesmo tendo a força para vencer lutando. "



    Abraços,
    Gustavo

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  4. Werley, parabéns!

    Excelente artigo.

    Ainda sou iniciante na arte do aikido e da mesma forma que você disse no início do artigo, também a procurei como forma de defesa pessoal. Cada dia me conscientizo de que estava completamente errado, pois a autodefesa nunca foi o objetivo da arte e sim consequencia da sua prática.

    Hoje, percebo mudanças em minhas atitudes, percebo um novo posicionamento em situações que antes levariam a conflitos (discussões, agressões, desavenças).

    Sou muito grato a todos os mestres que a divulgam pelo mundo, pois assim ajudaremos a construir uma sociedade melhor ou, nas palavras do meu mestre (Gustavo Sensei):

    "não mudamos o mundo mudando as pessoas e sim a nós mesmos pois, através do nosso exemplo, a vida, as coisas e tudo ao nosso lado muda também..."

    Um grande abraço a todos.

    Mauro Cantuária

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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