segunda-feira, 26 de março de 2012

Entrevista com Kenji Shimizu


por Stanley Pranin
Aiki News #77 (April 1988)
Traduzido por José Antonio Sousa

O texto a seguir é uma entrevista conduzida com um dos últimos uchideshi (aluno interno) de Morihei Ueshiba no Hombu Aikikai Dojo. Kenji Shimizu estabeleceu seu próprio dojo independente em meados da década de 1970, em Sangenjaya, Tóquio, chamado dojo Tendokan.

Sabe-se que o Sr. praticou judô antes começar no aikido.
Eu tinha uma visão muito limitada no começo e costumava considerar o judô como a única arte marcial. O inconveniente do judô é que você se machuca freqüentemente e não vê nenhuma melhora à medida que fica mais velho e perde a força física. Eu realmente gostava do judô e era muito deprimente ver minha habilidade diminuindo. Mesmo as pessoas mais novas podem estar em declínio no judô.

Qual sua idade quando começou no judô?
Eu comecei em 1953 quando tinha 13 anos. Eu era bom no judô e continuei praticando regularmente durante o período em que era estudante na universidade de Meiji. Enquanto garoto, pratiquei judô com as pessoas em torno de mim e me tornei forte. À medida que que fui ficando mais velho, mudei de categoria e lutei com muitos adversários grandes e fortes. Eu era motivado e treinava muito, mas não conseguia superar a diferença na força física. Por isso mudei para o aikido e realmente me envolvi com a arte.

Como o Sr. descobriu o aikido?
Sr. Kaburagi, diretor administrativo da Takanawa Geihinkan, sugeriu que eu visse Sensei Morihei Ueshiba, que vivia em Wakamatsu-cho em Shinjuku e quem ele considerava ser o último artista marcial restante no Japão. Eu tinha ouvido muito sobre ele antes disso. Por isso troquei o judô pelo aikido, mas não foi assim tão simples. Por exemplo, o judô tem combates, enquanto no aikido existe apenas a prática repetitiva. No início, achei o aikido muito lento. No judô sempre que o oponente abre a guarda você pode derrubá-lo. No aikido, entretanto, você permite que lhe derrubem. No começo, eu não conseguia entender porque tinha que esperar para ser derrubado. Mas, na realidade, quando suas técnicas melhoram torna-se completamente diferente.

O Sr. começou a treinar nas aulas regulares?
Sim. Por isso eu tinha muitas dúvidas. Mesmo achando que o aikido de O-Sensei era maravilhoso, ele não vinha ao dojo quando comecei a praticar. Outros professores vinham ensinar. Então, três meses mais tarde, me tornei um estudante interno. Isso foi em 1963 logo após minha graduação na universidade.



O Sr. pretendia se tornar um aluno interno quando começou a freqüentar as aulas regulares?
Sim, mas não tinha certeza se poderia continuar no aikido porque eu havia praticado muito o judô. O Doshu na época, Sensei Kisshomaru, queria saber se eu continuaria ou não a praticar. Então nós concordamos com um período de três meses de treino regular. Da mesma forma em meu dojo hoje, muitas pessoas abandonam após ter começado no aikido. Geralmente não continuam a praticar, mesmo que inicialmente queiram de fato continuar, por ser uma arte tão maravilhosa. Esta é uma das dificuldades com o aikido. A sensação de algumas pessoas de que falta algo. Algumas vezes fui derrubado duramente mesmo que não resistisse às técnicas dos meus companheiros. Era tão doloroso que eu ficava vendo estrelas. Eu tentava fazer-lhes a mesma coisa, mas não conseguia. Assim algumas vezes derrubei meus companheiros usando técnicas de judô. Então O-Sensei me repreendia dizendo: “Este não é um dojo de judô.” (risos) Não é correto derrubar com força alguém que não está resistindo. Havia pessoas brutas. A cartilagem do meu braço ainda é saliente por causa de uma pessoa bruta.

Em meu dojo, nós somos cuidadosos com os alunos novos e severos com os alunos antigos, a fim de fortalecer seus espíritos. Não desejo tratar novos alunos da mesma forma como fui tratado. Queremos que os alunos antigos se tornem mais cuidadosos com eles mesmos. Quando praticava judô, eu pensava somente em ganhar o combate. Mas, uma vez que o aikido não tem competição, tenho mais tempo para refletir sobre mim mesmo.

O Sr. começou primeiramente a praticar judô em um dojo em sua cidade natal?
Sim. Minha cidade é Tendo [Prefeitura de Fukuoka ] e havia um dojo chamado Tekisuikan na cidade seguinte de Iizukashi. O professor desse dojo, um homem chamado Isamu Niihara, ganhou o torneio de judô All-Japan, duas vezes. Pesava 120 quilos, tinha 1,83 m de altura. Ali recebi um excelente treinamento de judô. Adquiri o conhecimento do judô como base. Mochizuki Sensei também disse a mesma coisa. Você pode desenvolver sua agilidade aprendendo o judô. Sempre digo a meus alunos durante as aulas, que não devem baixar a guarda apenas porque não há combates. Embora esta seja uma crítica ao aikido e a mim mesmo, a arte parece às vezes pré-arranjada. A pessoa que executa a técnica e a pessoa que a recebe, cooperam uma com a outra e por fim as quedas, mesmo sem a técnica ser aplicada. Meus colegas de judô não entendem isto e dizem que o aikido é uma “falsa arte marcial”. Entretanto entendem quando explico a lógica por trás da arte.

Através da prática de ambas as artes eu sempre sinto que é o espírito que deve de fato ser forte. Independentemente de quão boas suas técnicas são na prática, elas às vezes são completamente inúteis quando você precisa delas. Quando você perde o autocontrole as técnicas são inúteis. É desagradável falar sobre mim mesmo, mas estou convencido de que atingir a verdadeira força, somente é possível através do treinamento do espírito através das técnicas e da energia “ki”. Guerreiros nos tempos antigos não podiam se entregar à morte, quando em uma situação de perigo de vida. Acredito que por isso eles praticavam o Zen, a fim de desenvolver sua habilidade para manter a serenidade. Atualmente as pessoas, às vezes dizem que estão praticando o Zen simplesmente para causar boa impressão nos outros. Mas naquela época o seu uso era uma questão de vida ou morte.

Não há nada que possamos fazer a respeito disso, mas os praticantes tornam-se mais sérios ou menos sérios, à medida que o tempo passa. É necessário treinar o espírito através da repetição das técnicas. Acredito que se você focalizar apenas na técnica, não conseguirá desenvolver a força. Acredito que alguém se torna forte, inconscientemente, através da prática repetitiva séria. Quando leio livros sobre artistas marciais antigos, vejo que um homem era considerado forte se fosse sanguinário. Não estou convencido que seja assim. Uma pessoa que é realmente forte não apresenta uma atitude desta.

Há duas grandes tendências no aikido. Uma enfatiza o fluxo do ki, enquanto a outra abordagem é treinar o corpo, aprendendo técnicas básicas e então, estudar as técnicas do fluxo do ki. Qual é sua opinião sobre este assunto?
Obviamente, de fato prefiro a última visão. Entretanto, gostaria de dizer aos iniciantes que se acostumem a treinar naturalmente. Por exemplo, se você ensina técnicas de natação a alguém que não sabe nadar e o colocar na água, ele provavelmente não conseguirá nadar. No começo, ele deve se acostumar com a água e então progredir a partir daí. Esta é a ordem lógica, você não acha? Uma vez que ele esteja acostumado com a água, penso que poderá nadar sem dificuldade. Quando estiver na água, poderá engolir um pouco d’água. Então, tentará flutuar; e tentará se mover à vontade. A partir desse momento é que ele precisará das técnicas de natação. No aikido você aprende movimentos circulares básicos com o corpo e os efeitos do ki, progressivamente. Meu ponto de vista é de que você deve se acostumar primeiramente com o dojo e aprender técnicas básicas. Se você levar a sério e praticar regularmente, naturalmente aprenderá a usar o ki.

Como eram os treinos quando o Sr. começou no aikido?
Antes mesmo de ser instruído sistematicamente, eu era derrubado muitas vezes. Eu treinava até meu uniforme estar ensopado de suor.

Os alunos internos mais antigos lhe ensinavam bem?
Algumas vezes lhes pedi ajuda. Entretanto, não seria quase natural que eles não me ensinassem? Era difícil para eles me ensinarem, pois eu era um atleta de judô. Eu oferecia muita resistência.

Os principais professores, naquela época, eram Sensei Tohei, Sensei Kisshomaru e Sensei Osawa?
Sim, e aos domingos, vinha o Sensei Saito. Eu freqüentemente acompanhava O-Sensei. Ele, às vezes, se sentia sozinho. Às vezes, a tarde, quando não tínhamos treino, ele dizia: “Shimizu, porque você não vai comprar um pouco de pão?” Ele me fazia comer o pão enquanto ficava sentado ao seu lado. Outras pessoas no escritório olhavam para mim e diziam que eu tinha me da dado bem. (Risos) Hoje em dia, se você ganha um pedaço de pão, não é tão importante. Mas há 20 anos, eu estava faminto e também, no começo, como estudante interno, eu quase não recebia salário. Assim, eu ficava muito feliz. O-Sensei disse uma vez, que pensava que eu estivesse recebendo um salário de 50.000 ienes. Mas achei que ele estava completamente alheio a situação real e fiquei muito irritado. (Risos)

As vindas de O-Sensei ao dojo eram irregulares?
Sim, eram. Na época em que eu estava lá praticando ativamente, ele freqüentemente ia e vinha. Quando ele se levantava, todos sentavam imediatamente. No começo, eu achava que as pessoas estavam sendo cordiais com ele. Entretanto, não era somente isso. Era também porque as técnicas que estávamos fazendo eram diferentes do que O-Sensei esperava que fizéssemos. Certa vez ele perdeu a paciência conosco. Ninguém percebeu sua chegada e ele gritou: “Gente, o que vocês estão fazendo não é aikido.” Seu grito era muito poderoso, era como se a terra estivesse tremendo. Ele estava em seus setenta e tantos anos, mas sua voz quase furava nosso ouvido. Todos simplesmente ficaram quietos e se olhavam acabrunhados.

Considerando que o Sr. entrou para o aikido com experiência em judô, o Sr. alguma vez tentou testar O-Sensei?
Não, nunca pensei em uma afronta dessas. Eu apenas achava que ele era um homem distinto e forte. O-Sensei tinha uma tremenda força. Para mim não era importante o quão forte ele era. Eu estava satisfeito por ele ser um genuíno representante do budo. Não havia ninguém no mundo do aikido que pudesse se igualar a ele e dessa forma, nunca pensei em testá-lo.

Creio que O-Sensei dava palestras a seus alunos. Que significado elas tinham para o Sr.?
Aquelas palestras eram tão difíceis que eu mal entendia. Mas havia algumas coisas que eu podia adivinhar. Suas preleções eram muito longas e como ficávamos em seiza (postura sentada sobre as pernas), nossas pernas ficam adormecidas. Houve uma vez em que eu caí tentando levantar, ao ser chamado por ele. No início, nas demonstrações, lembro que tentava segurar O-Sensei com minha mão, mas devido a minhas pernas estarem dormentes, não conseguia me mover. (Risos) Após uma hora de preleção, ele dizia: “Ei! Shimizu!” O que eu podia fazer!

Existe alguma lembrança que se sobressaia dos tempos em que o Sr. acompanhava O-Sensei?
Se me lembro bem, fui mandado por O-Sensei, a um casamento realizado no santuário Hiei em Akasaka. Ele conhecia o sacerdote chefe do santuário Shinto e eles haviam combinado em fazer uma pequena apresentação de aikido antes do casamento. Cheguei ao santuário mais tarde levando bokken e jo. Muitos fiéis do santuário estavam nos assistindo. O-Sensei me disse para que o atacasse forte, uma vez que ele ia apenas fazer técnicas leves. Entretanto, ele era velho e poderia não se mover como uma pessoa jovem, assim, eu o ataquei sem tanta força. Ele me derrubou elegantemente. Isto realmente me convenceu, mais uma vez, que ele era um grande homem. Ele sentia minha respiração perfeitamente. A platéia deve ter ficado surpresa. Embora ele dissesse que iria me derrubar levemente, achei que ele foi um pouco forte. Isto realmente me surpreendeu. Obviamente que, quando você envelhece, vai perdendo força para atividades como correr, mas no caso de O-Sensei, sua força explosiva e discernimento eram extraordinários. Como eu freqüentemente via essas coisas, sempre achei que ele era excepcional.

Quando o Sr. participava com O-Sensei das demonstrações, o Sr. iniciava os ataques?
Obviamente, primeiro eu o atacava, mas eu tinha que sentir sua respiração. Tinha que olhá-lo cuidadosamente. Quando eu caía e levantava da queda, tinha que olhar para ele, caso contrário ele podia sinalizar para que eu atacasse novamente. Você pode chamar isso de “ki no musubi” (união da energia ki). Eu precisava olhá-lo continuamente. Isto é similar ao baseball, onde o defensor deve olhar a bola atentamente. Se você não tiver recebido muitas quedas de O-Sensei você não consegue responder aos seus sinais. Nas demonstrações, os parceiros tentam executar as técnicas evitando obstruir um ao outro e assim, a pessoa que cai deve harmonizar-se com o atacante. Como escrevi em meu livro, se você desenvolve sua habilidade para cair, naturalmente suas técnicas evoluem. Há algumas pessoas que caem automaticamente e pensam que isso está certo, cair mesmo sem ter sido derrubado. Podemos ver isso freqüentemente nas demonstrações. Se as quedas são sem motivo, isso não é aikido. Não é correto apenas fazer quedas espetaculares e colocar isso num grande espetáculo.

Durante quantos anos o Sr. foi aluno interno?
Mesmo quando me perguntam de quando a quando vivi no dojo, fica difícil dizer. Provavelmente por volta de três ou quatro anos.

Então, qual foi a influência de Sensei Koichi Tohei no Hombu Dojo?
Ele estava no Hawaii, por isso eu não o conhecia muito bem. Mas ele tinha estado escrevendo livros e todos o conheciam.

Creio que Sensei Tohei era o instrutor chefe naquela época e foi uma grande influência para os alunos.
Os alunos no Hombu se modelaram após Sensei Tohei. Acredito que o Sr. Yamada, que atualmente vive em Nova Iorque, foi fortemente influenciado por ele. O sentimento era de que Morihei Ueshiba era um excepcional homem e que Sensei Tohei representava o aikido.

Porque o Sr. deixou o Hombu Dojo?
Eu não conseguia me dar bem com Sensei Tohei. Senti muito por O-Sensei, o Doshu (Sensei Kisshomaru) e Sensei Osawa. Ignorei suas tentativas para me impedir e deixei o dojo. Tenho sido independente ensinando Tendo-ryu por seis anos. (Tendo é o nome de minha cidade natal), Estou surpreso que tenha conduzido isso e chegado tão longe sozinho, tendo que passar por muitas situações de risco, desde que fiquei independente. Embora isso tenha acontecido há muitos anos, Sensei Osawa do Aikikai, me disse que se eu tivesse ficado, eu teria me tornado um instrutor de ponta. Eu disse que sou o que sou agora, porque saí do Aikikai. Se eu ainda pertencesse ao Aikikai seria como cruzar o oceano num grande navio carregado. Eu sou apenas um pequeno barco. Quando o vento soprou, meu barco adernou e quando choveu tivemos que tirar água de balde. Estamos sempre expostos a riscos. Isto me deu uma certa quantidade de treinamento mental e físico.

Como é sua abordagem de ensino para os iniciantes?
Eu tenho vários faixas pretas de minha confiança que ensinam os iniciantes durante um mês. Então, depois disso, eles juntam-se ao treino geral.

O Sr. usa a espada e o bastão em seu treino?
Sim, um pouco. Algumas pessoas colocam muita ênfase na espada e no bastão, mas acho que eles deveriam praticar, principalmente, técnicas de mãos vazias. Embora O-Sensei freqüentemente praticasse com espada, em seus últimos anos… Talvez, eu não poderia dizer, mas, se eu comparar O-Sensei com uma árvore, as pessoas estão apenas imitando as folhas, porque elas não podem ser as raízes da árvore. Elas querem imitar apenas as partes deslumbrantes. Isso arruina o aikido.

Quando foi sua primeira viagem ao exterior?
Fui à Alemanha há dez anos. Tenho um amigo alemão que é um técnico nacional de judô. Parece que ele gostou de meu aikido e sugeriu que eu o visitasse. Por isso fui. Eu visitei muitos lugares e fui convidado a me tornar um instrutor permanente da federação governamental.

Muitos aikidoístas não sabem quem foi Morihei Ueshiba. Talvez a nova geração de praticantes de judô também ignore a filosofia de Sensei Jigoro Kano, da “máxima eficiência com o mínimo de esforço” e do “bem-estar e benefício mútuos”?
Entendo, mas se você tem combates, acaba esquecendo sobre essas coisas. Se você perde um combate, ninguém ouve suas alegações ou razões. Você deve praticar apenas para ganhar combates. Assim, é natural que o espírito esteja quebrado. Entendo o sentimento de Sensei Kano. Este é o problema ao introduzir a competição nas artes marciais.

O que motivou o Sr. a escrever o livro “Zen e Aikido”?
O professor Kamata da Universidade de Tóquio já escreveu quarenta livros. Desde que começou a praticar aikido, há oito anos, tem treinado três vezes por semana. Ele achou que o aikido é uma arte marcial agradável e pediu minha ajuda, uma vez que queria escrever um livro sobre filosofia. Foi difícil para uma pessoa inexperiente como eu, assim, confiei no Sr. Kamata para lidar com as partes difíceis. Há muitas partes que são difíceis de compreender, mas ele disse que tentou escrever de uma forma compreensível.

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